segunda-feira, agosto 02, 2010

BANIMENTO DO AMIANTO
Fernanda Giannasi fala sobre banimento do amianto
Data: 27/07/2010 / Fonte: IHU On–Line
O amianto é o nome comercial genérico para uma variedade fibrosa de seis minerais metamórficos naturais utilizados em produtos como telhas, caixas d`água, coberturas de edifícios, vestimentas e revestimentos à prova de fogo, isolamento térmico, entre outros. Trata-se de um material com grande flexibilidade e resistência tênsil, química, térmica e elétrica, mas que pode causar câncer tanto nos trabalhadores que lidam diretamente com essas fibras quanto na população que adquire produtos com amianto.O debate acerca do banimento do amianto já existe há muitos anos, mas a articulação entre empresas e sindicatos deste setor conseguiu, em grande parte, manter a utilização do mineral. Porém, estados como São Paulo já criaram leis proibindo a produção e comercialização de materiais com essa variedade fibrosa. "Em São Paulo, há dois grupos empresariais que ainda insistem em descumprir a lei. Nós já interditamos estas empresas, mas eles recorrem na Justiça. As duas já desenvolveram tecnologia substitutiva ao amianto, mas continuam querendo lucrar o máximo que podem com o mineral. Elas sabem que, assim que passarem a utilizar a nova tecnologia, os preços ficarão competitivos", diz Fernanda Giannasi que luta há 25 anos contra o amianto.Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, a engenheira civil e auditora-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, narrou sua trajetória de luta e analisou a situação atual do Brasil em relação ao banimento e aos substitutos ao amianto. Confira a entrevista.IHU On-Line - Você luta há 25 anos contra o amianto. Como você se inseriu nessa luta?Fernanda Giannasi - Em 1986, fui aprovada em um concurso público para o cargo de Auditora Fiscal. Na época, podíamos atuar em três áreas: engenharia, medicina e direito. Eu vinha da área de pesquisa na área de engenharia de materiais, e, por coincidência, atuava no Instituto de Pesquisas Tecnológicas, onde faziam pesquisas sobre a substituição do amianto. No final dos anos 1980, a própria Eternit, que hoje luta para manter o amianto, realizava pesquisas com diversas fibras que poderiam substituí-lo, porque já existia uma indicação que poderia banido. Quando eu entrei no Ministério do Trabalho, fiquei surpresa com a demanda que vinha para a fiscalização em relação ao amianto. Com isso, eu e um colega médico resolvemos mudar a dinâmica e, ao invés de ficar analisando processos de protocolo, começamos a reunir dados para identificar os riscos do ambiente de trabalho e, é claro, que o amianto saltou aos olhos. Havia, nesse período, uma discussão internacional pelo banimento do amianto, existia um fórum na Organização Internacional do Trabalho - OIT que debatia se o mineral deveria ser proibido ou se era possível utilizá-lo controladamente. Com esses dados concretos em mãos, passamos a fiscalizar as empresas de São Paulo.Eu tenho uma convicção muito grande que, ao longo destes anos, fomos amadurecendo com os debates. Não foi uma coisa assim: "baniram lá fora e temos que banir no Brasil". É uma trajetória de 25 anos de luta. Quando começamos esse trabalho contra o amianto, o Brasil não tinha tecnologia, não tinha trabalhadores organizados, tinha sindicatos já comprometidos com as indústrias. E nós fomos dialogando com todos os setores, acompanhando a evolução tecnológica. Hoje, eu posso dizer que se o banimento do amianto no Brasil for decretado não vai haver nenhum desabastecimento e ninguém vai ser pego desprevenido. Tenho fiscalizado as empresas do estado de São Paulo que continuam brigando para usar o amianto e elas estão abarrotadas de material para a substituição. Então, não usar mais o amianto é uma questão de vontade política.IHU On-Line - Quem ainda usa amianto no Brasil?Fernanda Giannasi - Existem duas questões que precisam ser trazidas para responder a esta questão. Primeiro é a mineração que deixa de existir com o banimento do amianto. E ali existem 600 postos de trabalhos que precisam ser tratados com muita responsabilidade. É preciso fazer uma política de reciclagem e oferta de novos empregos. Em São Paulo, há dois grupos empresariais que ainda insistem em descumprir a lei. Nós já interditamos estas empresas, mas eles recorrem na Justiça. As duas empresas já desenvolveram a tecnologia substitutiva ao amianto, mas continuam querendo lucrar o máximo que podem com o mineral. Elas sabem que, assim que passarem a utilizar a nova tecnologia, os preços ficarão competitivos.Um exemplo é a tecnologia utilizada para fabricar telhas em cerâmicas. O amianto acaba sendo muito mais barato em comparação aos seus substitutos, como o PVA, o poliprotuleno ou outra fibra de reforço. As indústrias sabem que vão perder o monopólio ou a liderança do mercado de coberturas, mas não querem abrir mão disto. Um terceiro setor que ainda insiste em descumprir a legislação é o de materiais de isolamento térmico. Como o Brasil já não mais produz estes materiais (papelões hidráulicos, gaxetas, juntas), está importando da China. No entanto, não existe uma política federal que impeça isso. O Ministério de Trabalho de São Paulo tem feito uma forte luta nesse ramo do comércio de produtos importados com amianto.IHU On-Line - Se existem alternativas para o amianto, porque ele ainda é tão utilizado?Fernanda Giannasi - Em função do custo. Como o Brasil é um grande produtor, o custo fabricação com o amianto é muito menor em relação ao mesmo processo com materiais substitutivos. Além disso, a fábrica que usa amianto não computa os custos sociais e ambientais. Hoje, a comparação é feita "ponto a ponto" e, olhando desta forma, a fibra do amianto custa 30 vezes menos do que uma fibra de carbono ou de vidro, por exemplo. Com este tipo de comparativo, o consumidor e os políticos se assustam, uma vez que, desta forma, os custos de uma edificação parecem aumentar absurdamente. Mas não se pode fazer comparações nestes termos.O grande apelo que a indústria do amianto tem é o de dizer que o produto dela custa menos e é voltado a um público de menor poder aquisitivo, o que não é verdade. Outra questão: os números astronômicos de empregos que eles dizem gerar. A indústria do amianto diz ter 200 mil postos de trabalho. No entanto, a cadeia produtiva desse mineral gera três mil empregos, sendo que 600 já correm realmente o risco de extinção, uma vez que são aqueles ligados à mineração. A indústria coloca nessa conta os postos de trabalho gerados pela construção civil. No entanto, o trabalhador que monta um telhado pode trabalhar com matérias que utilizam ou não o amianto. A indústria do amianto também contabiliza o emprego do comerciante que vende telhas e caixas d’água. Mas este também não é um emprego gerado pelo setor do amianto. O mesmo ocorre com o caminhoneiro que transporta o material. Esse número inflacionado realmente é um mito.
IHU On-Line - O sindicato que representa a construção civil ainda está ligado à indústria?Fernanda Giannasi - Venho denunciando há mais de 20 anos essa ligação umbilical dos sindicatos da construção civil com a indústria do amianto. Parte ou a maioria dos sindicatos têm um relacionamento promíscuo com a indústria. Algumas entidades foram criadas pela própria indústria, fato que denunciei à OIT (Organização Internacional do Trabalho) como um crime contra a organização dos trabalhadores. Temos provas de que existe uma ligação entre a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA) à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) e que entre elas há um acordo de financiamento das ações pró-amianto. Isso é um crime que fere as Convenções da OIT.Nós temos dúvidas até sobre o processo de criação destes sindicatos. O que sabemos é que, de fato, eles não têm legitimidade e representatividade, uma vez que são interlocutores das indústrias, fazendo chantagem com os trabalhadores ao afirmar que se o amianto for banido, os funcionários perderão seus empregos. O trabalhador não tem opção, ele tem que optar entre a saúde e o emprego. Assim, enquanto tem saúde, escolhe o emprego. Porém, quando ele perde a saúde a situação fica muito difícil. Por isso, tem aumentado muito o número de associações de vítimas do amianto nos estados. IHU On-Line - Que exames precisam ser feitos para se detectar que um trabalhador está doente em função do seu contato com o amianto?Fernanda Giannasi - Esses exames são os preconizados pela própria OIT através da convenção 162. Num primeiro momento, é feito um exame clínico para que se possa saber quais são as queixas que o trabalhador tem. Depois, há a teleradiografia de tórax que mede a capacidade respiratória do funcionário. Estes são os exames preconizados pela OIT que as próprias indústrias devem realizar anualmente com seus funcionários. Quando o trabalhador é demitido, a indústria é obrigada a acompanhá-lo por 30 anos, oferecendo estes exames, mesmo que não haja mais vínculo empregatício, e o custo é da empresa. IHU On-Line - Como a senhora avalia o trabalho da vigilância dos trabalhadores expostos ao amianto?Fernanda Giannasi - Embora a lei de 1995 do uso controlável diga que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve fazer esta vigilância, a Legislação trabalhista diz que o empregador tem obrigações de fazê-lo. No entanto, ainda não houve de fato um compromisso do Governo brasileiro com esta questão. As vítimas estão aparecendo muito tempo depois de se desligar do trabalho com o amianto. Nós temos alguns centros de excelência, como a Fiocruz e a Fundacentro, que estão acompanhando todas as fábricas que utilizam essa fibra. Agora, ainda falta uma decisão política para que a vigilância seja um programa de governo, onde o Ministério da Saúde possa preparar seus profissionais e seus os centros com os equipamentos para que se possa fazer os diagnósticos. E nós vamos pressionar para que isso se torne realidade.IHU On-Line - Apesar da proibição e restrição ao uso, uma variação da substância conhecida como amianto branco é produzida e exportada para diversos países. O que é o amianto branco?Fernanda Giannasi - Na verdade, o amianto conhecido hoje é um conjunto de materiais fibrosos que tem características específicas, como a grande resistência ao calor, a chamas e a produtos químicos. Entre os amiantos, há o amianto branco, o amianto azul, o amianto marrom. Hoje, quem fala que existe diferença entre amiantos é a indústria, porque ela procura a culpabilidade aos outros tipos de amianto para todos os males da humanidade. Mas já há estudos que provam que o amianto branco, que é menos agressivo que o amianto azul e marrom, também causa câncer.Dizer que o amianto azul ou o amianto marrom são os culpados é uma bobagem, o amianto branco também é indutor do câncer. Tanto que a Agência de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde não faz distinção entre os amiantos, todos eles são reconhecidamente cancerígenos para os seres humanos. Então, esta é uma discussão criada para adiar a decisão do banimento. Qualquer cientista e pesquisador sério sabe que não existe diferença entre os amiantos para o efeito do câncer.

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