Ao menos 45,8 milhões de pessoas vivem hoje uma
situação de escravidão moderna no mundo, revela um relatório da ONG Walk Free
Foundation, que será divulgado na noite desta segunda-feira (30) e ao qual o G1
teve acesso.
O Índice
Global da Escravidão estima que o Brasil tenha 161 mil pessoas em condições
análogas à de escravos. Proporcionalmente à população, o país tem uma
incidência baixa (0,078%), melhor que a de seus vizinhos. Levando em conta o
indicador, figura apenas na 151ª posição entre 167 nações ao redor do globo.
Nas Américas, fica atrás
apenas
de EUA e Canadá.
Cinco países do mundo (Índia, China, Paquistão, Bangladesh e Uzbequistão)
comportam 58% do total de "escravizados". Somente a Índia abriga 18,4
milhões de pessoas em situação de escravidão.
Em termos proporcionais, quem encabeça o ranking é a Coreia do Norte. A
estimativa é que 1 em cada 20 pessoas, aproximadamente, esteja nessa situação
no país asiático (1,1 milhão no total). O relatório ainda faz uma ressalva de
que se trata de um número "conservador", já que as informações no
país são difíceis de verificar. "Há evidência de que há cidadãos
submetidos a trabalhos forçados pelo Estado, incluindo prisioneiros políticos.
E relatos dão conta de que indivíduos são forçados a trabalhar por longas horas
no campo e nos setores de construção, mineração e vestuário, com punições duras
para os que não cumprem determinadas metas."
Segundo o relatório, estudos mostram que a pobreza e a falta de oportunidade
desempenham um papel importante no aumento da vulnerabilidade à escravidão
moderna. "Eles também apontam para desigualdades sociais e estruturais
mais profundas que permitem que a exploração persista, como a xenofobia, o
patriarcado, as castas e as discriminações de gênero."
O presidente da Walk Free Foundation, Andrew Forrest, diz que "a
escravidão é repugnante, mas totalmente evitável". "Diferentemente de
grandes epidemias mundiais, como a malária e a Aids, a escravidão é uma
condição humana criada pela própria humanidade. E é preciso acabar com ela, não
permitindo que as gerações futuras cedam a essa prática hedionda."
O fundador da ONG afirma ainda que está nas mãos de líderes de todos os
segmentos mudar esse quadro. "Líderes das principais economias mundiais -
Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Brasil, Itália,
Rússia e Índia - precisam fazer com que o mundo dos negócios se importe com
essa questão, exigindo, por meio de leis, foco na transparência da cadeia de
produção de todos os bens e serviços importados ou vendidos em seus países. O
Brasil foi um dos primeiros líderes neste campo, pioneiro", diz Forrest,
fazendo referência à "lista suja" do trabalho escravo, que reúne
empregadores flagrados utilizando mão-de-obra escrava. O Reino Unido, que
promulgou o chamado `Modern Slavery Act 2015`, também é citado como exemplo a
ser seguido.
Brasil
Apesar de proporcionalmente à população o Brasil ter uma incidência mais baixa
que países como Portugal, República Tcheca, Itália e até Finlândia, em números
absolutos o país está na 41ª posição - isto é, longe de erradicar a prática.
Numa escala de 0 a 100, o país aparece com 56,85 no quesito "resposta
governamental" à prática (quando há serviço de apoio a vítimas,
criminalização dos infratores e outras políticas adotadas). O relatório diz
que, se for levado em conta o PIB per capita, a atuação do Brasil no combate à
escravidão moderna merece destaque. "Filipinas, Geórgia, Brasil, Jamaica e
Albânia estão fazendo grandes esforços, apesar de terem relativamente menos
recursos que países mais ricos", diz a ONG.
Dados do Ministério do Trabalho mostram que, em 20 anos, quase 50 mil
trabalhadores já foram libertados no Brasil pelos grupos móveis de
fiscalização. Os grupos atuam desde 1995. As equipes são compostas de
auditores fiscais, procuradores do Trabalho e policiais federais ou rodoviários
federais e viajam para realizar as blitzes para evitar pressões de grupos
políticos e empresariais em fiscais locais. Uma página especial mostra um raio
X do problema no país.
No Brasil, o Código Penal define uma pena de reclusão de dois a oito anos e
multa para quem "reduz alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
Apesar
de elogiar a atuação do Brasil, o relatório da Walk Free Foundation critica a
suspensão, no final de 2014, da "lista suja" pelo Supremo Tribunal
Federal. A divulgação dos nomes só foi liberada pelo STF nesta semana.
O índice
Como as definições de escravidão variam de lugar para lugar (desde trabalho
forçado e tráfico humano a casamento forçado), o relatório leva em conta todas
as situações de exploração que uma pessoa não é capaz de se livrar, em razão de
ameaça, violência, coação ou abuso de poder.
A Walk Free Foundation utiliza diversas variáveis para estabelecer os
indicadores de prevalência, vulnerabilidade e de resposta por parte dos
governos. Para chegar ao número de escravizados, por exemplo, foram feitas mais
de 42 mil entrevistas em 53 idiomas diferentes pelo mundo. As estimativas são
baseadas nos resultados dessa pesquisa (extrapolados para países com
equivalentes perfis de risco). A metodologia foi desenvolvida por um grupo de
trabalho formado por peritos independentes e reconhecidos mundialmente.
O índice, segundo a ONG, tem como objetivo se tornar "uma ferramenta para
que os cidadãos, organizações não governamentais, empresas e funcionários
públicos entendam o tamanho do problema e os fatores que contribuem para que
ele exista e possam defender e construir políticas sólidas para erradicar a
escravidão moderna".
Essa é a terceira edição do Índice Global da Escravidão. Na primeira, em 2013,
a estimativa girava em 29,8 milhões de escravos no mundo.
O relatório completo pode ser
acessado no site.